Se vires em alguma província opressão de pobres, e a perversão violenta do direito e da justiça, não te maravilhes de semelhante caso. Pois quem está altamente colocado tem superior que o vigia; e há mais altos ainda sobre eles.
O proveito da terra é para todos; até o rei se serve do campo.
Quem ama o dinheiro não se fartará de dinheiro; nem o que ama a riqueza se fartará do ganho; também isso é vaidade.
Quando se multiplicam os bens, multiplicam-se também os que comem; e que proveito tem o seu dono senão o de vê-los com os seus olhos?
Doce é o sono do trabalhador, quer coma pouco quer muito; mas a saciedade do rico não o deixa dormir.
Há um grave mal que vi debaixo do sol: riquezas foram guardadas por seu donó para o seu próprio dano;
e as mesmas riquezas se perderam por qualquer má aventura; e havendo algum filho nada fica na sua mão.
Como saiu do ventre de sua mãe, assim também se irá, nu como veio; e nada tomará do seu trabalho, que possa levar na mão.
Ora isso é um grave mal; porque justamente como veio, assim há de ir; e que proveito lhe vem de ter trabalhado para o vento,
e de haver passado todos os seus dias nas trevas, e de haver padecido muito enfado, enfermidades e aborrecimento?
Eis aqui o que eu vi, uma boa e bela coisa: alguém comer e beber, e gozar cada um do bem de todo o seu trabalho, com que se afadiga debaixo do sol, todos os dias da vida que Deus lhe deu; pois esse é o seu quinhão.
E quanto ao homem a quem Deus deu riquezas e bens, e poder para desfrutá-los, receber o seu quinhão, e se regozijar no seu trabalho, isso é dom de Deus.
Pois não se lembrará muito dos dias da sua vida; porque Deus lhe enche de alegria o coração.
Há um mal que tenho visto debaixo do sol, e que pesa muito sobre o homem:
um homem a quem Deus deu riquezas, bens e honra, de maneira que nada lhe falta de tudo quanto ele deseja, contudo Deus não lhe dá poder para daí comer, antes o estranho lho come; também isso é vaidade e grande mal.
Se o homem gerar cem filhos, e viver muitos anos, de modo que os dias da sua vida sejam muitos, porém se a sua alma não se fartar do bem, e além disso não tiver sepultura, digo que um aborto é melhor do que ele;
porquanto debalde veio, e em trevas se vai, e de trevas se cobre o seu nome;
e ainda que nunca viu o sol, nem o conheceu, mais descanso tem do que o tal;
e embora vivesse duas vezes mil anos, mas não gozasse o bem, – não vão todos para um mesmo lugar?
Todo o trabalho do homem é para a sua boca, e contudo não se satisfaz o seu apetite.
Pois, que vantagem tem o sábio sobre o tolo? e que tem o pobre que sabe andar perante os vivos?
Melhor é a vista dos olhos do que o vaguear da cobiça; também isso é vaidade, e desejo vão.
Seja qualquer o que for, já há muito foi chamado pelo seu nome; e sabe-se que é homem; e ele não pode contender com o que é mais forte do que ele.
Visto que as muitas palavras aumentam a vaidade, que vantagem tira delas o homem?
Porque, quem sabe o que é bom nesta vida para o homem, durante os poucos dias da sua vida vã, os quais gasta como sombra? pois quem declarará ao homem o que será depois dele debaixo do sol?